Apesar da existência de campos como o da história visual, sociologia da imagem, antropologia visual, entre outros, sinto um certo desprezo no interior das Humanidades pela potência da imagem tanto como objeto de estudo quanto como forma particular de conhecimento. A própria natureza de nicho de campos como os citados no interior de suas disciplinas reforça essa percepção: a discussão conceitual, abstrata, teórica — elaborada sempre por meio da palavra e das limitações da linguagem escrita — está sempre no centro do trabalho elaborado na história, na geografia, na filosofia, nas ciências sociais, etc, relegando outras linguagens a aspectos de ilustração dos argumentos desenvolvidos verbalmente.
Muito já se falou sobre como a escolarização e a alfabetização aprofundam o afastamento das pessoas do mundo das imagens, restringindo-as ao mundo da palavra escrita como o único no qual é possível atingir qualquer estado de conhecimento. Sabemos, afinal, que crianças em geral gostam de desenhar até uma certa idade — seja como forma de expressão, seja como forma ato lúdico que não envolve apenas a mão mas todo o corpo —, após a qual, com o avanço da escolarização, passam a reprimir seu traço e a considerar o desenho como algum tipo de “dom” especial ou “talento” restrito apenas a alguns indivíduos. A linguagem escrita (tão artificial) passa a ser uma forma natural de expressão, enquanto o desenho (que na infância parecia até um tanto quanto “instintivo”) se torna algo excepcional, inacessível para a maioria.
Tenho a impressão de que estas condições contribuam não só para o citado menosprezo pelo mundo da imagem como um campo do conhecimento como também à própria imagem (e, em particular, o desenho), como um meio de elaboração do conhecimento. Quem tem o hábito de desenhar, contudo, mesmo que descompromissadamente, sabe o quanto o exercício do traçado de formas sobre o papel é ele próprio um saboroso processo de diálogo com as nossas próprias ideias, equilibrando disciplina, liberdade, criatividade e técnica. Desenhos são, por natureza, não lineares, repletos de idas e vindas, tornando síncronos pensamentos variados — constituem uma forma de pensar radicalmente distinta da escrita, que por mais fragmentada que seja, almeja sempre uma coesão linear e lógica. O ato de desenhar é sempre analógico.
É com satisfação que tenho visto trabalhos acadêmicos no interior do mundo das Humanidades que têm se dedicado a explorar o desenho como forma de conhecimento, para além dele próprio como objeto. São interessantes, em particular, os trabalhos de antropólogas e antropólogos que incorporam o desenho de observação e o desenho de memória como técnicas particulares na elaboração de etnografias, tornando-os elementos de protagonismo em seus cadernos de campo — com destaque para o trabalho da professora Karina Kuschnir.