11 de abril de 2020, vigésimo dia da quarentena
Minhas fotografias vivem longe de qualquer tipo de qualidade profissional. São evidentemente amadoras: fotografo por prazer, seja quando viajo, seja quando caminho por aí. Não fotografo pessoas porque a atitude me parece invasiva, então as cidades e cenas que registro acabam parecendo sempre um tanto quanto estéreis, mas as imagens resultantes não deixam de ativar para mim também registros de memória.
Aliás, li certa vez em algum texto sobre história oral — seria o de Ecléa Bosi? — que o momento da transcrição de uma entrevista ou depoimento é ele mesmo um trabalho de ativação e produção da memória por parte do transcritor. Sinto o mesmo quando faço pequenas edições das fotos, antes de publicá-las em minha conta do Flickr — conta esta que já mantenho há 15 anos e se transformou numa espécie de diário indireto de minhas andanças e interesses.
Nunca me adaptei ao Instagram e ainda me mantenho fiel ao velho Flickr, por mais acabado que o serviço já esteja. O Instagram é o reino do falso imediatismo, da espontaneidade planejada — e, de fato, não há problema nenhum nisso, longe de qualquer moralismo. No Flickr, contudo, convivo ainda com um ritmo mais lento, mais cuidadoso, próprio da velha web pré-redes sociais. O Flickr é um lugar de velhos e acho que eu estou ficando velho. Há, aliás, algo mais antiquado que manter um blogue pessoal?
Nesses dias de quarentena, minha câmara (igualmente amadora como eu) permanece perdida em alguma gaveta. Que nos próximos meses possamos retomar as caminhadas.
São tempos difíceis, todos sabemos. O presidente da República atenta contra a saúde pública todos os dias, seja com pronunciamentos estapafúrdios, seja com canetadas perversas. Estamos em casa e esperamos achatar a famosa curva. Enquanto não há muito mais o que fazer, olhamos para alguns dos objetos cotidianos ao nosso redor.