Quando começou todo esse processo de confinamento, achávamos que teríamos tempo livre em excesso e que fatalmente teríamos de encontrar algum tipo de passatempo para não enlouquecer. O que ocorreu, contudo, não foi excesso de tempo livre, mas excesso de trabalho avançando sobre qualquer resquício de tempo livre, tornando mesmo os passatempos mais simples — como o ato de parar para ler um romance ou qualquer livro não acadêmico — quase impossíveis.
Ultimamente, com trabalho e doutorado e milhares de atividades simultâneas, tem sido difícil achar tempo para ler literatura não acadêmica. Mesmo assim, tenho lido lentamente, normalmente nos fins de semana, o primeiro livrinho da nova trilogia de Milton Hatoum: A noite de espera.
O estilo adotado facilita a leitura picadinha: o narrador em primeira pessoa, Martim, descreve os acontecimentos por meio de anotações em seu diário, cartas e outras formas similares de escrita. Exilado em Paris durante a ditadura civil-militar, Martim descreve o fim de sua adolescência e início de vida adulta na Brasília do fim dos anos 1960, frequentando a UnB e todo o cenário político e cultural universitário do período.
Tem sido prazeroso acompanhar a jornada de Martim por aquela cidade ainda em construção, bem como por outras cidades e cenários aos quais ele associa memórias e afetos de diferentes etapas de sua vida, recuperadas por meio de fragmentos de memórias e de anotações: o bairro do Paraíso em São Paulo, o porto de Santos, a Galeria Metrópole, um hotel em Goiânia, a Asa Norte, a avenida W3, o campus da UnB, o Cinema da Escola Parque, entre outros.
Este desenho participa da série #quarentenoutubro, uma alternativa ao Inktober.