Em 2019 assistimos à absurda demolição da antiga Vila Operária João Migliari, no Tatuapé, bairro de classe média da Zona Leste de São Paulo. Tratam-se de duas quadras no interior do bairro — em uma área até então ainda protegida da verticalização cafona e mal desenhada que caracteriza os arredores — que mantinham, até aquele momento, os elementos próprios de residências populares geminadas construídas nas primeiras décadas do século 20 na cidade.
Apesar de sufocada em meio ao avanço dos péssimos empreendimentos imobiliários produzidos nas últimas três décadas na região, a vila mantinha um pouco da atmosfera e da vida de um bairro residencial popular num contexto de gentrificação do Tatuapé e de expulsão de suas populações de mais baixa renda, assim como de suas práticas culturais. Há registros da permanência, por exemplo, de festas juninas promovidas sistematicamente ao longo de décadas naquele local — e para além de qualquer romantização dessas práticas ou de qualquer tipo de defesa acrítica da preservação, esses processos de destruição fatalmente levam a efeitos negativos na memória e cultura desses grupos.

Produzi as fotografias abaixo dias após a demolição do complexo. A imagem de terra arrasada só não é mais assustadora que o total desprezo por parte daqueles que ordenaram a demolição por todos os registros de vida que ficaram espalhados pelo lugar. Uma gravação da demolição também está disponível aqui.
quatro anos depois: ainda terra arrasada
Voltei ao local agora em dezembro de 2023 — poucos meses após a arrastada conclusão do processo de tombamento do conjunto, restando neste momento apenas cinco exemplares das antigas residências no sítio. As imagens resultantes da visita constam do carrossel abaixo.
A sensação de terra arrasada continua em meio aos canteiros de obras dos futuros empreendimentos voltados ao mercado corporativo — mas agora tal sensação se fica ainda mais agravada em função de infames decisões de projeto e implantação de algumas edificações flagrantemente mal desenhadas.
O contraste entre gabaritos é absurdo — os exemplares da vila que restaram viverão às sombras dos horroroso edifícios corporativos que estão em fase de conclusão. A antiga vida do lugar será substituída por aspectos de uma paisagem estéril comum aos territórios urbanos marcados por edificações ligadas ao setor corporativo e às finanças. Pior ainda: trata-se antes de um simulacro de paisagem corporativa que propriamente sua efetiva implementação, já que dificilmente se repetirá no local a mesma presença de sedes de grandes empresas como aquelas das regiões da Faria Lima, da Berrini ou dos central business districts das cidades do norte global.
Além disso, mesmo novas edificações voltadas ao cotidiano do bairro parecem ter sido implantadas da pior e mais estéril maneira possível: um novo supermercado ocupa uma das esquinas da antiga vila. O caixote de concreto mal desenhado presenteia a cidade com um seco e horroroso paredão de fundos na antiga rua central da vila e um arranjo paisagístico tosco e pouco integrado aos pedestres na esquina oposta, segundo um desenho excessivamente rodoviarista e urbanofóbico.
O deslumbramento ridículo e cafonice exagerada dos empreendimentos que levaram à demolição da vila são evidentes em sua arquitetura e nas soluções urbanas apresentadas, mas ficam ainda mais flagrantes no material publicitário — que despensa adjetivação.

















