texto originalmente publicado em 21 de abril de 2009 na página http://stoa.usp.br/gaf/weblog/48114.html
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O Sesc Fábrica de Pompeia (de autoria da arquiteta Lina Bo Bardi e equipe) é sem dúvidas uma das mais belas e graciosas obras de arquitetura da cidade de São Paulo.
Revirando antigas revistas AU encontrei um relato interessante do arquiteto Marcelo Ferraz (que, como se sabe, trabalhou com a arquiteta nos anos 70 e 80) a respeito do projeto e da construção do complexo.
Segue um trecho (todos os grifos são meus).
“(…) Com o escritório no canteiro de obras [do Sesc], o projeto era verificado a cada passo na realidade da obra e ali era feito com a mais ampla participação: engenheiros, mestres, operários…
Me lembro do dia em que aparecemos com o livro O canteiro e o desenho, do arquiteto Sérgio Ferro (tínhamos, meu grupo e eu, uma enorme esperança na arquitetura que o trio Flávio Império, Rodrigo Lefèvre e Sérgio Ferro tinha iniciado e logo interrompido com o AI-5, porque, para nós, rompia um pouco a camisa de força da herança do Artigas que dominava a FAU). Tal livro que, diga-se de passagem, é um grande baixo astral para qualquer arquiteto, uma vez que a nossa profissão é a de construir e não a de não-construir, teve de Lina o seguinte comentário: “qual a novidade? o que é que estamos fazendo dentro de uma obra?” Lina sempre atuou no canteiro de obras, com um enorme envolvimento. (…)
(…)
Ainda no período do SESC (77 a 86), participamos da obra da Igreja Santo Espírito do Cerrado, em Uberlândia, com os padres franciscanos. Foram inesquecíveis viagens onde, com espírito desbravador, experimentávamos de tudo e aprendíamos com Lina a beleza da flora e do cerrado. Foi novamente no canteiro que resolvemos a execução da obra. Com croquis em cores, pequenas anotações, discussões com o mestre ou o telhadista, tínhamos por fim uma obra pronta e funcionando, sem o maldito pacote do projeto executivo detalhado. Aliás, vale lembrar uma frase de Lina: “o detalhamento pode ser a morte, o fim da liberdade de um projeto.” (…)
Bem, do SESC Pompéia pulamos para a Bahia. (…)
Mais adiante, ele se refere à experiência de Bardi e Lelé em Salvador.
Estávamos em 86 e, de certa forma, banidos do SESC, pois o sucesso era tamanho, Lina incomodava tanto, que os altos escalões se sentiram ofuscados e enciumados. Fomos para a Bahia a convite do então prefeito Mário Kertész, que tinha como braço direito o seu secretário de Projetos Especiais, Roberto Pinho, articulador da ida de Lina e também da de Lelé para montar a FAEC (Fábrica de Equipamentos Comunitários). Juntos, Lina e Lelé deixaram marcas irreversíveis de intervenção crítica no contexto urbano, quer na preservação do patrimônio histórico, quer na modernização da cidade.
(…)
Em Lina e sua obra podemos ver com maior clareza que a condição de ser livre frente ao mundo é a base de toda criação.
Até hoje é gritante a diferença entre o espaço do SESC Fábrica de Pompeia com qualquer outra unidade. Enquanto aquele é genuinamente popular, democrático, rude e áspero mas lúdico e alegre, as demais unidades são sóbrias, esnobes, um tanto quanto autoritárias, por vezes pastiche de projetos contemporâneos estrangeiros.
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Fonte do excerto: FERRAZ, Marcelo; "Minha experiência com Lina" in Revista AU nº 40, fevereiro-março de 1992