Texto originalmente publicado em http://stoa.usp.br/gaf/weblog/47456.html no dia 12 de abril de 2009.
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Raramente fico impressionado com a arquitetura contemporânea que a mídia especializada tem difundido nos últimos anos. Não propriamente por achar desnecessárias as conquistas tecnológicas que permitem diversas pirotecnias e cotidianas quebras de recordes, mas pela imagem globalizada e marcadamente conformista que tais projetos sugerem. Os grandes escritórios internacionais mais parecem hoje grifes que propriamente coletivos de arquitetos. Digo isto, porém, sem desejar um idealismo anticorporativista ingênuo, mas como resultado da relação mal resolvida entre estética e capital, cujas regras do jogo poderiam ser quebradas de algum modo.
Delirius New York e S,M,L,XL me parecem um culto ao conformismo (embora eu nunca tenha de fato dado uma chance a eles).
Apesar de todos os avanços experimentais e da importância que possui para a atual geração de estudantes a produção de equipes como o OMA, Herzog & de Meuron, SANAA, Foster & Partners, Renzo Piano Building Workshop, RVMDV, neutelings-riedijk, entre outros, costumo encarar com alta dose de ceticismo a celebração acrítica do star system e das grifes arquitetônicas internacionais e globalizantes que eles representam. Entre outros motivos, isto nos leva fatalmente a buscar modelos e referências outras que não as do centro do capitalismo – o que não é fácil, dada a rarefeita produção acadêmica e editorial disponível a respeito da arquitetura praticada na América Latina, na África ou na Ásia periférica, por exemplo. De qualquer forma, são conhecidas experiências como as das coopertativas uruguaias de habitação, o trabalho de José Forjaz em Moçanbique, o Elemental no Chile, entre outros. Projetos conscientes de sua posição no jogo internacional do capital, mas que fogem à superficial "estética da miséria" ou ao indesejável culto à pobreza e ao terceiromundismo que se vê, por exemplo, em iniciativas ridículas como as de "pintar" os barracos de uma favela.
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Recentemente, porém, fiquei encantado com um projeto de residência unifamiliar no Japão. "Encantado" pois as possibilidades espaciais de apropriação do território, da paisagem e do ambiente doméstico-familiar que o projeto oferece são fascinantes e de uma poética singela, direta e precisa.
O projeto foi apelidado de Casa Telhado e é de autoria do escritório Tezuka Architects. De fato, um elemento arquitetônico bem desenhado e estrategicamente posicionado – escadas de diferentes inclinações, uma fixa, na sala de estar, e outras retráteis posicionadas em cada quarto – transformam totalmente as potencialidades e a relação que a família estabelece com o teto da casa (um telhado de caimento único, de baixa inclinação). Apesar de ser uma propriedade grande para os padrões de ocupação do solo japoneses – que por motivos óbvios tendem a apresentar altas taxas de adensamento construtivo -, trata-se de uma solução bastante interessante para projetos pequenos.
Desta forma, o telhado se transforma no grande espaço de permanência prolongada da residência durante os meses de clima ameno: nele a família come, conversa, toma sol, etc. Mais informações sobre o projeto podem ser encontradas aqui: http://www.plataformaarquitectura.cl/2009/03/07/roof-house-casa-techo-tezuka
Obviamente, não se trata de algo inédito: nossas favelas já conhecem a necessidade de se apropriar da laje para atividades de lazer e sociabilidade desde que o sistema de "lajotas pré-fabricadas" passou a se popularizar, várias décadas atrás, pois lidam também com alta densidade construtiva – mas, porém, convivendo com a precariedade própria destes assentamentos e com a negligência do Estado, além das condições de segregação a que estao acostumadas.
No entanto, permanece a possibilidade de uma apropriação poética deste fenômeno. Um interessante projeto brasileiro que toma partido disto é o de um conjunto habitacional em Cotia, de Joan Villà e Silvia Chile.
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Em tempo: em adição à salada que é o Pritzker, recebeu o prêmio este ano o suíço Peter Zumthor. Não levo muito a sério a badalada premiação oferecida pela Fundação Hyatt, mas de qualquer forma a obra de Zumthor é admirável pela reconhecida precisão técnica, pelo intenso trabalho de pormenorização dedicado a cada projeto e pela poética que surge de tudo isto. Pode até possuir uma posição passiva em meio ao jet set, mas não deixa de ser referência interessante.
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nota: a fonte das imagens usadas aqui é do blogue plataformaarquitectura.cl