o seguinte texto foi originalmente publicado em http://stoa.usp.br/gaf/weblog/35954.html no dia 04 de novembro de 2008
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lições de mayumi
reflexão para tempos sombrios (obs.: o excerto a seguir é de um texto publicado em 1991):
Os profissionais que se formaram no final dos anos 70 costumam criticar a politização que teria ocorrido no cotidiano dos seus cursos, enfraquecendo a sua formação de arquiteto.
Que estes nos desculpem, pois, a nosso ver, se essa politização tivesse, de fato, ocorrido no cotidiano e na dimensão do que deveria ter ocorrido, a formação desses profissionais teria permitido o surgimento de um quadro de arquitetos capazes de responder, com um mínimo de segurança, às demandas de uma sociedade que tenta ainda sair do século XIX.
No entanto, a politização, isto é, o conhecimento da história, da responsabilidade e compromisso dos chamados intelectuais e dos profissionais de nível universitário com o país não aconteceu. Ao contrário: como as demais áreas sociais e culturais, a educação universitária entrou pelo atalho do ensino pragmático, superficial e fragmentado que, politicamente, interessava às elites, reforçadas por novos segmentos econômicos que se formava à sombra do militarismo.
Não compreenderam – justamente por que não tiveram uma formação política séria – que foram transformados em competentes engrenagens do mesmo sistema seletivo e segregador que hoje os coloca quase sempre com frustrações nos quadros docentes de universidades públicas, sucateadas por vontade das mesmas elites e de universidades privadas que, salvo raras exceções, não são propriamente universidades, mas um amontoado de faculdades, para reproduzir um ensino constituído por fragmentos desarticulados.
(…)
Ao contrário do que se propunha a Universidade de Brasília, de 1963 e fechada em 1965, a formação dos professores universitários não se dá como consequência de um longo processo de maturação profissional e vocacional, ao longo dos cursos básicos dos estudantes, mas acentuadamente por um acidente de percurso, pelo fechamento do mercado de trabalho profissional específico e abertura de um outro mercado: o das escolas de ensino superior. Na Arquitetura não foi diferente.
(…)
A despolitização dos anos pós-1965, somada à formação fragmentada e à especialização que lhe seguiu, criou um quadro de ensino nas escolas de arquitetura que se caracteriza por uma sobrecarga de horas de aula e de disciplinas sobre o estudante de graduação, incompatível com uma formação universitária, necessariamente aberta e ampla.
(…)
(…)é fácil de se compreender a mediocrização do ensino de arquitetura e das suas demandas internas:
- alunos que chegam cada vez mais desinformados e imaturos à universidade (…);
- professores pouco presentes na escola (…);
- professores que repetem fórmulas projetuais conhecidas, seja porque comuns no mercado imobiliário, seja porque adotadas por profissionais reconhecidos pelo mercado. E, neste caso, a preservação de mitos ou a criação de novos faz parte do procedimento adotado pelos docentes, na medida em que os mitos não podem ou não devem ser discutidos.
Desrespeitam-se assim os profissionais assim mitificados e desrespeita-se a formação do aluno, porque de ambos tira-se o essencial: o valor do seu trabalho criativo e inteligente.
É possível, porém, combater esse quadro deprimente e dependente desde que saiamos, alunos e professores, do estado de perplexidade permanente; que deixemos de lado o medo da politização do cotidiano, que nos comprometamos e atuemos nas lutas intrínsecas e concretas da nossa saída do século XIX, pelo menos para o século XX, do qual alguns povos já se preparam para sair.
Nas escolas de arquitetura, essas lutas começam pela necessária articulação entre história, tecnologia e projeto, de modo que se torne claro para o futuro arquiteto de que o direito à qualidade estética e construtiva dos espaços, dos ambientes e dos objetos é uma conquista coletiva da população. A negação dos direitos está presente no projeto de baixa qualidade que se destina à população majoritária, no projeto de modernismos superficiais que, em nome de uma produção individual e de interesses privados, transforma a cidade num amontoado de linguagens dissonantes, um Frankenstein descontrolado, como aponta Tafuri.
LIMA, Mayumi Watanabe de Souza; “Demandas internas: mitos e impossibilidades reais nas universidades privadas e nas públicas” in Anais do X Encontro Nacional sobre ensino de Arquitetura e V Congresso da Área; outubro de 1991
Mayumi Watanabe de Souza Lima (1934-1994) foi uma arquiteta e urbanista formada pela FAUUSP em 1956. Participou da criação de Brasília e da UnB e foi por breve período professora da USP em São Carlos. De idéias e ações inspiradoras, era uma arquiteta que falava na necessidade de uma “cidade educadora”. Durante a gestão de Luíza Erundina – o melhor prefeito que São Paulo já teve, aliás – Mayumi coordenou a produção de centenas de equipamentos municipais de educação espalhados pela cidade. Coordenou uma fábrica de componentes construtivos que tinha o potencial de revolucinar a produção de habitação de interesse social na cidad. Infelizmente, porém, Paulo Maluf fechou a fábrica no primeiro dia de seu mandato, em 1993, devido à pressão da indústria de construção.