originalmente publicado em http://stoa.usp.br/gaf/weblog/42580.html no dia 15 de fevereiro de 2009
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Ante a racionalidade dominante, desejosa de tudo conquistar, pode-se, de um ponto de vista dos atores não beneficiados, falar de irracionalidade, isto é, de produção deliberada de situações nã-razoáveis. Objetivamente, pode-se dizer também que, a partir dessa racionalidade hegemônica, instalam-se paralelamente contra-racionalidades.
Essas contra-racionalidades se localizam, de um ponto de vista social, entre os pobres, os migrantes, os excluídos, as minorias; de um ponto de vista econômico, entre as atividades marginais, tradicional ou recentemente marginalizadas; e de um ponto de vista geográfico, nas áreas menos modernas e mais "opacas", tornadas irracionais para usos hegemônicos. Todas essas situações se definem pela sua incapacidade de subordinação completa às racionalidades dominantes, já que não dispõem dos meios para ter acesso à modernidade material contemporânea. Essa experiência de escassez é a base de uma adaptação criadora à realidade existente.
O que muitos consideram, adjetivamente, como "irracionalidade" e, dialeticamente, como "contra-racionalidade", constitui, na verdade, e substancialmente, outras formas de racionalidade, racionalidades paralelas, divergentes e convergentes ao mesmo tempo.
(…)
O fato de que a produção limitada de racionalidade é associada a uma produção ampla de escassez conduz os atores que estão fora do círculo da racionalidade hegemônica à descoberta de sua exclusão e à busca de formas alternativas de racionalidade, indispensáveis à sua sobrevivência. A racionalidade dominante e cega acaba por produzir os seus próprios limites.
in santos, milton; a natureza do espaço; são paulo: edusp, 2008, quarta edição; pp 309-310