imagens da quarentena (2/4): aspirador de pó

2 de abril de 2020, décimo primeiro dia da quarentena

Em nossa nova vida confinada, acostumamo-nos a um dia-a-dia em que encerramos uma videoconferência de trabalho, trocamos de roupa e faxinamos a casa. A não ser, é claro, que você seja um feliz proprietário daqueles robozinhos que aspiram o chão automaticamente.

Eletrodomésticos para o cuidado da casa, todos sabemos, popularizaram-se enormemente a partir dos anos 1950, em princípio nos países centrais do capitalismo e mais tarde nos periféricos. Era preciso, afinal, facilitar o cotidiano de limpeza da crescente classe média num momento em que o custo do trabalho doméstico ficava mais caro. Os eletrodomésticos supostamente reduziriam o sobretrabalho.

Aqui na periferia do capitalismo, contudo, a exploração do trabalho doméstico — com forte recorte racial e de gênero, sabemos — continuou até ontem, praticamente. Não deixo de pensar que um fator crucial para o golpe de 2016 foi a aprovação da extensão dos direitos trabalhistas aos trabalhadores e trabalhadoras domésticos, um golpe mortal no orgulho das classes médias urbanas.

Eletrodomésticos também foram, aliás, uma peça curiosa no xadrez da guerra fria. Uma famosa sequência de debates entre Nixon (então vice-presidente dos EUA) e Khrushchev (então líder da URSS) ficou conhecido como “a questão da cozinha”, por ter acontecido no contexto de uma exposição financiada pela indústria estadunidense em Moscou, na qual uma típica casa moderna de subúrbio fora montada na capital russa. A exposição, como não poderia deixar de ser, ocorreu sob um domo geodésico efêmero construído para a ocasião. Greg Castillo, um interessante historiador da arquitetura estadunidense, escreveu um livro inteiro sobre o assunto: Cold War on the Home Front. Soft Power of Midcentury Design.


São tempos difíceis, todos sabemos. O presidente da República atenta contra a saúde pública todos os dias, seja com pronunciamentos estapafúrdios, seja com canetadas perversas. Estamos em casa e esperamos achatar a famosa curva. Enquanto não há muito mais o que fazer, olhamos para alguns dos objetos cotidianos ao nosso redor.

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