25 de abril de 2020, trigésimo quarto dia da quarentena, quadragésimo sexto ano da Revolução
Circulou o mundo hoje a fotografia produzida por José Sena Goulão, da Agência Lusa, em que um homem solitário caminha na Avenida Liberdade, em Lisboa, carregando uma enorme bandeira portuguesa.
É 25 de abril e a Revolução dos Cravos completa 46 anos em meio à mais grave pandemia em um século. Coube aos portugueses celebrar a vitória contra o salazarismo de suas janelas e varandas. Não sei quem é este senhor, mas sabendo de todo o terror causado pelos anos de Salazar, é compreensível que tenha enfrentado os perigos do coronavírus para manifestar-se pela luta contra o fascismo.
Esta foto certamente se somará pelo seu impacto a uma outra também bastante conhecida e diretamente ligada ao contexto de abril de 1974: de autoria de Alfredo Cunha, a imagem retrata um rapaz em uma tipografia lisboeta escrevendo em uma parede a frase “Se a classe operária tudo produz, a ela tudo pertence.”
Não sou de celebrar nacionalismos ou patriotismos de qualquer tipo, mas confesso que invejo o potencial que a bandeira republicana de Portugal tem de se constituir em símbolo de liberdade e de luta contra o fascismo. O mesmo certamente não pode ser dito de nossa bandeira verde e amarela nem de nosso hino, tão sujos de sangue africano e indígena, da exploração de trabalhadores, tão marcados por racismo e segregação e tão sequestrados pela pior parcela — a mais racista, a mais elitista, a mais antidemocrática — de nossa população.
Em Portugal todos os anos celebra-se a vitória contra o fascismo que os trabalhadores, estudantes e as forças armadas promoveram em 1974. O lema do movimento, lembre-se, era Democracia, Descolonização e Desenvolvimento. Do lado de cá somos obrigados a tolerar manifestações pela volta de ditadura militar e em celebração de torturadores e assassinos. Que encontremos cá, em algum canto, um cheirinho de alecrim.
São tempos difíceis, todos sabemos. O presidente da República atenta contra a saúde pública todos os dias, seja com pronunciamentos estapafúrdios, seja com canetadas perversas. Estamos em casa e esperamos achatar a famosa curva. Enquanto não há muito mais o que fazer, olhamos para alguns dos objetos cotidianos ao nosso redor.