Algumas curiosidades sobre o doodle dedicado ao Dia do Trabalhador promovido pela Google neste 1º de maio de 2022. Nele um conjunto de mãos produzem cada uma das letras da palavra “google” a partir de técnicas de trabalho variadas (industriais, agrárias, artersanais, etc). Verificam-se na imagem mãos alusivas a operários da indústria e do campo, cozinheiros, trabalhadores da construção civil, entre outros. Mesmo uma imagem aparentemente tão inocente, no entanto, sugere alguns comentários a respeito dos preconceitos que ela carrega.
a mão
Destaque-se, em primeiro lugar, a escolha da mão como índice preferencial para fazer menção ao trabalho e ao trabalhador. Não há nada de original ou excepcional nisso, afinal a mão é de fato elemento central em qualquer tipo de trabalho — mesmo o dito exclusivamente “intelectual”, que depende das mãos para ser materializado seja na forma de textos ou de outros produtos.
E ainda que não exista trabalho que não possua dimensão “intelectual”, é curioso que a Google tenha escolhido justamente ícones e índices representativos de ocupações tidas como exclusiva ou predominantemente “manuais” — em oposição às “intelectuais” — reforçando em alguma medida o estereótipo de que trabalhadores “intelectuais” não sejam, de fato, trabalhadores. A mensagem pode ainda reforçar outros preconceitos — ligados à divisão do trabalho e à luta de classes.
Uma empresa gigantesca como a Google, aliás, está repleta de trabalhadores “intelectuais” — para insistir nessa divisão problemática entre trabalho “manual” e “intelectual” — que passam seus dias movimentando seus dedos em teclados de computador ou em telas sensíveis ao toque — bem como cansam seus olhos por várias horas seguidas mobilizando-os para focar o olhar exclusivamente em telas emissoras de luzes que, sabemos, podem ser bastante insalubres se utilizadas por longos períodos.
No entanto, nenhuma das mãos representadas no doodle aparece digitando código em teclados ou telas. Mesmo inconscientemente — afinal a ilustração foi feita pensando nos estereótipos mais comuns do mundo do trabalho — a Google não reconhece a própria juventude precária que ela emprega como uma categoria de trabalhadores (principalmente numa data como a do 1º de maio, tão marcada pela reivindicação de melhores salários e condições de trabalho).

alcance
Este doodle apareceu apenas em um conjunto limitado de países, conforme demonstra a página ilustrada acima: nas Américas apareceu exclusivamente no Brasil. Na Ásia ele aparece na Tailândia e na Coreia do Sul. Na África aparece em sete países e na Europa em mais de dez — trata-se do continente em que a data foi mais comemorada pela empresa. Sou bastante ignorante a respeito do contexto africano e asiático, mas não deixa de ser curioso que o 1º de maio tenha sido comemorado sobretudo em países onde há um estado de bem estar-social consolidado — e, portanto, onde há movimentos sindicais fortalecidos e onde os direitos trabalhistas estão razoavelmente assegurados.
Já no Brasil, onde — sabemos — a data do 1º de maio foi deturpada ao longo do século 20 de seu sentido de luta para ser explorada como uma celebração genérica, disciplinada e inofensiva do trabalho obediente, faz todo sentido que essa representação estereotipada do trabalho seja apresentada destacadamente pela Google.