Algumas observações interessantes sobre o tema da paisagem no ensaio “Mundo quase-árido” de Rondinelly Gomes Medeiros, publicado no volume 1 da coletânea Os mil nomes de Gaia — publicação que reúne as palestras e debates promovidos na conferência homônima ocorrida no Rio de Janeiro em 2014.
Outra versão do mesmo texto também está disponível na Revista Ilha.
[…] no semiárido, o projeto colonial — o fundamento axiológico do mercado e de sua governamentalidade — baseia-se na pretensão política de ocupação do espaço para determinar materialmente e de forma unidirecional a constituição da paisagem.
(p. 321)
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A empreitada colonizadora começa no mesmo momento em que a Europa acerta os últimos detalhes para o nascimento da Natureza, aquela de onde se pode extrair, com os aparelhos corretos, a verdade: no novo mundo, ao estupor da visão do paraíso seguiu-se pari passu um processo irreversível, desenfreado e catastrófico de engenharia ambiental similar à engenharia social das reduções jesuíticas – uma catequese da terra, uma tentativa de domesticação das forças do solo, por delimitação, adequação, eliminação, valoração, monetarização; esforço de determinação material da paisagem. Enfim, um mundo novinho em folha para ser configurado, com toda sorte de brinquedos do parque humano: plantations, rodovias, aldeamentos, hidrelétricas, pastos, asfaltos, estacionamentos, engenharias.
A paisagem é o nome precário para esse preconceito no qual o Adão fáustico — o colonizador — subsume as multiplicidades, as interações e os interesses do mundo ao seu prazer de capturar e determinar. A paisagem é o terreno no qual vai passar o trator do processo civilizatório.
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Em um salto intuitivo que algum historiador ou economista contestaria, diríamos que o exercício dessa vontade de ordenar a paisagem permitiu o acúmulo primitivo de transcendência, fortaleceu o Sujeito universal, que, ao que tudo indica e 97% dos artigos científicos sobre o assunto apontam, de tanto determinar e imprimir suas formas, acabou dando forma àquilo que pode impedir sua forma de existir.