londres e a senhora dalloway

Capa da primeira edição de Ms Dalloway, desenhada por Vanessa Bell

originalmente publicado em http://notasurbanas.blogsome.com/2009/05/04/londres-e-a-senhora-dalloway/

Mrs Dalloway, o mais conhecido romance da escritora modernista inglesa Virginia Woolf, não é para ser lido apenas uma vez. A miríade de camadas de interpretação da obra literária enriquece cada nova leitura, fazendo transparecer formas, ritmos e sentidos que passaram desapercebidos antes. No entanto, algo que chama a atenção desde as primeiras páginas e as primeiras leituras é o papel que a cidade de Londres estabelece no desenvolvimento da trama: mais que um cenário, Londres se transforma em uma espécie de personagem a brincar e a dialogar com a memória e com os sentimentos dos protagonistas, mesmo que tais memórias sejam de lugares que nada tem a ver com a cidade. A maestria com que Woolf se utiliza do fluxo de consciência – técnica “inventada” por ela e por seus pares do grupo Bloomsbury – é especialmente fascinante quando ela apresenta seus personagens caminhando pela cidade e redescobrindo memórias, tempos e lugares à medida em que relacionam-se com a paisagem a seu redor. O estilo da escritora também se revela envolvente, sufocante: por vezes, uma sucessão de frases longas, com várias sentenças em um mesmo parágrafo são interrompidas por uma frase curta e certeira no parágrafo seguinte. Um turbilhão de pensamentos e conexões de sentidos diversos encontrando uma dúvida ou uma exclamação que os desconstrói ou os reafirma.

No famoso filme As horas a relação entre Woolf e o mundo moderno cosmopolita são relembrados: sofrendo de depressão e problemas psiquiátricos (por duas vezes a escritora tentou se suicidar antes de dar cabo de sua vida nos anos 40), ela e o marido instalaram-se em uma casa suburbana para “descansar”, por ordens médicas, fato que era detestado por ela. No filme, a personagem interpretada por Nicole Kidman tenta desesperadamente pegar um trem para visitar a cidade. A autoridade pedante e ignorante dos médicos do período – para quem a psicanálise ainda era uma novidade distante – também são abordados no romance por meio da história paralela de Septimus Warren Smith, um londrino de classe média que acaba por suicidar-se (defenestrando-se, assim como Virginia tentou certa vez, quando sofria de alucinações).

Logo nas primeiras páginas o papel de Londres é evocado nos seguintes parágrafos:

For having lived in Westminster—how many years now? over twenty,— one feels even in the midst of the traffic, or waking at night, Clarissa was positive, a particular hush, or solemnity; an indescribable pause; a suspense (but that might be her heart, affected, they said, by influenza) before Big Ben strikes. There! Out it boomed. First a warning, musical; then the hour, irrevocable. The leaden circles dissolved in the air. Such fools we are, she thought, crossing Victoria Street. For Heaven only knows why one loves it so, how one sees it so, making it up, building it round one, tumbling it, creating it every moment afresh; but the veriest frumps, the most dejected of miseries sitting on doorsteps (drink their downfall) do the same; can’t be dealt with, she felt positive, by Acts of Parliament for that very reason: they love life. In people’s eyes, in the swing, tramp, and trudge; in the bellow and the uproar; the carriages, motor cars, omnibuses, vans, sandwich men shuffling and swinging; brass bands; barrel organs; in the triumph and the jingle and the strange high singing of some aeroplane overhead was what she loved; life; London; this moment of June.

For it was the middle of June.(…)

Nos parágrafos seguintes é interessante ver como outros personagens se relacionam com a cidade, como Peter Walsh (recém-chegado de um longo período na Índia), Rezia Smith (moça italiana, casada com Septmus e sentindo-se efetivamente uma estrangeira naquela grande cidade cosmopolita) e o próprio Septimus. Claro está que o romance não se limita a isto – e interpretá-lo apenas desta maneira seria inconsequente – mas é realmente envolvente e fascinante a forma como o ambiente urbano se conecta ao fluxo de pensamento dos personagens: ora de forma fugidia, fluida, ora de forma impactante.

fonte da imagem: wikipedia (fair use).

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