terrorismo de estado e propriedade intelectual

Aaron Swartz suicidou-se. Aparentemente ele não suportava a ideia de perder sua liberdade por um crime que não cometera e por conta de um processo cujas acusações não faziam qualquer sentido. Até há alguns dias eu nunca tinha ouvido falar dele, mas quando soube das circunstâncias de sua morte, entendi que a causa pelos bens comuns sofreu uma grande derrota neste início de ano.

Alguns argumentariam que seu ativismo era próprio de um filho da classe média estadunidense: confortável, meramente “virtual”, distante do planeta de favelas com o qual vivemos aqui na periferia.

Eu discordo: Swartz perdeu uma fortuna em dinheiro nos últimos anos lutando contra a indústria da propriedade intelectual (o último bastião da exploração do trabalho em uma sociedade de infoproletários), ficou severamente doente (lutava há anos contra a depressão) e por fim deu cabo de sua vida em face do assédio violento que o governo estadunidense e o mercado da propriedade intelectual promovia contra sua pessoa.

Assange: “Forneço-lhe gratuitamente informações privadas sobre corporações. Sou o vilão.” / Zuckerberg: “Forneço as SUAS informações privadas às corporações em troca de dinheiro. Sou o homem do ano”

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Lawrence Lessig deixou claro em seu blogue o caráter terrorista que assumiu o “devido processo legal” que conduziu as acusações inventadas contra Swartz: de quatro frágeis acusações iniciais, forjaram-se dezenas de outras.

Swartz havia sido acusado de tentar promover a livre disponibilização de uma grande quantidade de artigos de acesso restrito presentes na base de dados do JSTOR, por meio de uma conta falsificada na rede interna do MIT — embora não houvesse qualquer prova disto. Mesmo que evidências existissem deste plano diabólico, há duas considerações a se fazer: a primeira é a da importância de sua causa (disponibilizar gratuitamente produtos de pesquisa científica financiadas predominantemente com verba pública); a segunda diz respeito à violência e desproporção da punição que era prevista a ele (mais de 30 anos de prisão).

Independente disto, as acusações eram de tal forma frágeis que podiam ser desconstruídas até mesmo por um profissional conservador da indústria de informática, defensor do copyright.

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Segundo Richard Stallman, fundador da Free Software Foundation:

Aaron Swartz, fundador da organização Demand Progress, suicidou-se.

Swartz enfrentava a ameaça de passar anos na prisão por algo que parecia ser um esquema com objetivo de publicizar artigos acadêmicos disponibilizados apenas sob uma paywall.

Eu não conheci Swartz pessoalmente, então não conheço o quão grave era sua depressão, independente de sua situação legal. Aparentemente, porém, esta não foi razão suficiente para ter se matado.

Apresentar uma tendência a desenvolver depressão não torna alguém insensível à realidade. A realidade do ataque estadunidense contra ele certamente contribuiu ao nível de depressão que ele sentia.

Portanto temos um motivo para pensar que o governo dos EUA guiou Swartz a tomar tal iniciativa. Isto não foi assassinato; os EUA não pretendiam matá-lo, apenas arruinar sua vida em nome da indústria de copyright. Isto, porém, provavelmente o matou.

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Lembrando Žižek durante a ocupação de Wall Street:

Não queremos um padrão mais elevado de vida. Queremos um padrão melhor de vida. O único sentido pelo qual somos todos comunistas é porque nos preocupamos com os bens comuns. Os bens comuns da natureza. Os bens comuns privatizados pela propriedade intelectual. Os bens comuns da biogenética. Por isto, e apenas por isto, deveríamos lutar.

Swartz deu sua vida pela parte que tomou nesta luta comum.

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