o logotipo do cnrc

O Centro Nacional de Referência Cultural (CNRC) — ou Centro Nacional de Referências Culturais, a depender de onde aparece a menção à instituição — é um dos mais míticos personagens presentes em narrativas variadas a respeito da trajetória das instituições ligadas ao patrimônio cultural e (em alguma medida) ao design no Brasil.

Fundado em 1975 e idealizado por uma equipe liderada pelo célebre designer Aloísio Magalhães, o CNRC se constituiu de uma interessante e curiosa iniciativa de inventariação, registro e fomento das manifestações culturais e artísticas populares nacionais gestada em meio às contradições do estado brasileiro durante a ditadura civil-militar de 1964–1985. Associado a um discurso de desenvolvimento das forças produtivas locais por meio da valorização do desenho e da produção de objetos em um contexto de práticas e saberes populares, o CNRC foi ao mesmo tempo uma instituição convergente e resistente ao ideário do regime autoritário — ao mesmo tempo em que atuava no sentido de disciplinar e, em certa medida, cooptar práticas artesanais e manufatureiras populares, também foi iniciativa fundamental para reconhecê-las, dando visibilidade a populações em situação de fragilidade e contribuindo à chamada “virada antropológica” que transformaria radicalmente, num sentido mais democrático e plural, as políticas de patrimônio cultural nos anos seguintes. Como seu fundador — ele próprio figura razoavelmente progressista notória por circular habilmente pelos mais problemáticos círculos do poder nacional durante a ditadura —, o CNRC é marcado por contradições e limites, o que torna sua trajetória particularmente fascinante.

a marca “cnrc”

Muito já se escreveu e se estudou sobre o CNRC, mas creio nunca ter lido nada mais detido a respeito de sua marca, desenhada pelo próprio Aloísio Magalhães. À primeira vista não parece haver nada de especial nela, mas um olhar mais atento a torna um tanto mais simpática. Em meio a tantos símbolos e logotipos tão conhecidos desenhados por Magalhães e já muito comentados e estudados, o caso da marca do CNRC parece pouco lembrada.

Trata-se de um logotipo simples, grafado no que parece ser um tipo DIN condensado, em negrito ou semi-negrito, acompanhado de um conjunto de hastes verticais — algumas mais espessas e maiores que separam as letras e outras menores que dão ritmo e peso ao conjunto e indicam a quantidade de letras das palavras associadas a cada uma das iniciais da sigla, como fica explícito na imagem abaixo.

Há inclusive variações e inconsistências de aplicação dessa marca: às vezes o tipo utilizado no logotipo parece variar e em algumas aplicações as palavras ficam inseridas nas caixas formadas pelas hastes menores, como aparece na capa reproduzida abaixo de uma das publicações desenvolvidas pelo Centro.

Curiosa aplicação da marca em que as letras “ocultas” da sigla estão explicitadas

À primeira vista, portanto, a marca aparece como algo sem maiores destaques, soando até mesmo um tanto quanto burocrática. Porém, se pensarmos no CNRC como uma instituição dedicada a reconhecer, descrever e registrar processos de trabalho produtivo — muitas vezes ligados ao artesanato, mas não só — esta marca acaba revelando algumas conexões simpáticas. A maneira como os fios verticais estão agrupados, assim como sua diferença de espessura e peso, lembram um pouco a maneira usual como signos gráficos são identificados em manuais de identidade visual, explicitando ritmos e proporções na construção de sua geometria — como nesse exemplo abaixo da construção da geometria de símbolo desenhado por Alexandre Wollner. Se o CNRC é uma instituição dedicada a entender processos de trabalho, sua marca talvez também nos fale da própria maneira como trabalha um designer gráfico (e de como seu trabalho é registrado e comunicado).

Além disso, as letras “ocultas” em cada uma das caixinhas formadas pelos fios menores talvez também lembrem um pouco as míticas “caixas” em que se guardavam os tipos na tipografia tradicional (as famosas “caixas” alta e baixa), em referência à prática manual da composição tipográfica.

Num meio tão sisudo como o da burocracia do estado, em plena ditadura militar, esta marca talvez seja um comentário simpático sobre o dia a dia de trabalho compartilhado por profissionais do mundo gráfico.

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