Quem caminha pelo centro de São Paulo eventualmente cruza com alguns edifícios que possuem gravados ou afixados na forma de uma placa em sua fachada os créditos de seu projeto e construção. Tal prática era recorrente em edifícios projetados ou construídos por grandes escritórios, como o de Ramos de Azevedo ou de Stockler das Neves, mas ela caíra em desuso até desaparecer completamente.
Tratava-se de uma maneira interessante de sinalizar para o grande público a autoria do edifício — ao mesmo tempo que escondia seu processo de produção, na medida em que reiterava a invisibilidade do trabalho de centenas ou milhares de operários que teriam passado pelo canteiro de obras para erigir aquela edificação.
Nesse sentido, às vezes penso em como a indústria do cinema — mesmo o comercialíssimo cinema hollywoodiano — talvez seja minimamente mais democrático que o mundo da arquitetura ao creditar no fim de cada filme cada um dos profissionais envolvidos no processo de construção do filme: ainda que estejam lá em destaque o produtor, diretor e principais atores, também ficam registrados nos créditos finais profissionais de toda ordem: de técnicos de som e assistentes de maquiagem a cinegrafistas, designers e editores.
pela presença de colofões em edifícios
Recentemente a Revista Recorte publicou um pequeno e gracioso manifesto de Gabriel Figueiredo a favor da banalização, difusão e ampliação do uso do colofão — ou “cólofon”, como talvez ele seja mais conhecido — no mundo do design gráfico. Figueiredo sugere que para além dos colofões usualmente encontrados em publicações impressas, seria interessante ampliar seu uso em aplicações digitais como websites, aplicativos, etc
O colofão normalmente encontrado em livros e publicações semelhantes amplia as informações tradicionalmente encontradas em fichas técnicas e em créditos de produção da obra: nele é informada a tipografia utilizada na composição do texto — e, eventualmente, seu autor —, a gráfica onde o livro foi impresso, o tipo de papel utilizado e sua fonte, etc. A quantidade e o caráter da informação aí apresentada, no entanto, são virtualmente ilimitados: pode-se apontar o equipamento utilizado na produção da obra, o software adotado em sua composição, etc.

A generalização do uso de colofões em outros contextos (mas sobretudo na web) constitui uma forma simpática evitar a cultura da “caixa preta” em torno de trabalhos intelectuais (sejam eles quais forem), já que eles potencialmente explicitam os processos de trabalho e os vários indivíduos e grupos por trás das coisas acabadas. Além disso, ajuda a consolidar uma espécie de rede de colaboração difusa, reminiscente dos primeiros anos da web, quando a opacidade e centralização das redes sociais controladas por algumas poucas empresas ainda não era a regra.
Além disso, fico pensando em como seria interessante a presença de um colofão em edifícios — especialmente aqueles de acesso público. Estariam creditados ali não apenas os arquitetos, engenheiros e incorporadores principais do empreendimento, mas também todos os vários pedreiros, carpinteiros, marceneiros, pintores, eletricistas, encanadores, técnicos, tecnólogos, entre tantos outros profissionais envolvidos na obra. Num universo tão violento e excludente quanto o do canteiro de obras — e o da cultura arquitetônica, de um modo geral —, isso constituiria um mínimo e necessário agradecimento.
Podíamos começar, talvez, pelas obras de arquitetura pública tombadas, sobretudo aquelas de especial protagonismo na construção de nossas narrativas de identidade nacional e de especial inserção no cânone arquitetônico. Isso renderia, inclusive, um bom trabalho de pesquisa: seria muito interessante creditar essas informações em um edifício como o Palácio Capanema, por exemplo, ou as obras localizadas na Praça dos Três Poderes e na Esplanada dos Ministérios.
colofão para esta postagem 🙂
Estas breves palavras foram escritas em um computador Macbook Pro Mid 2014 por meio do navegador Safari. O texto foi produzido em fevereiro de 2022, um período desagradavelmente quente. A hospedagem do texto acontece no serviço wordpress.com e se utiliza, entre outros, do software livre WordPress. O WordPress, assim como muitos outros projetos de software livre, é fruto do trabalho de milhares de colaboradores e trabalhadores de diferentes partes do mundo.
O tema utilizado neste sítio é o “Libre 2”, de autoria da empresa Automattic. O texto está composto em Libre Baskerville, tipografia de código livre baseada no clássico tipo Baskerville — do tipógrafo John Baskerville — desenvolvida pelo type designer Pablo Impallari.
A imagem de capa consta do acervo digital do Wikimedia Commons, tendo sido produzida pelo usuário Donel20 no dia 13 de janeiro de 2021. Trata-se de uma gravação na fachada de um edifício situado à Rua Isabey, n.º 5, em Nancy apresentando, presumivelmente, a autoria do projeto do respectivo imóvel (atribuída a um tal “arquiteto Hornecker”).