colofão de arquiteturas

Quem caminha pelo centro de São Paulo eventualmente cruza com alguns edifícios que possuem gravados ou afixados na forma de uma placa em sua fachada os créditos de seu projeto e construção. Tal prática era recorrente em edifícios projetados ou construídos por grandes escritórios, como o de Ramos de Azevedo ou de Stockler das Neves, mas ela caíra em desuso até desaparecer completamente.

Tratava-se de uma maneira interessante de sinalizar para o grande público a autoria do edifício — ao mesmo tempo que escondia seu processo de produção, na medida em que reiterava a invisibilidade do trabalho de centenas ou milhares de operários que teriam passado pelo canteiro de obras para erigir aquela edificação.

Nesse sentido, às vezes penso em como a indústria do cinema — mesmo o comercialíssimo cinema hollywoodiano — talvez seja minimamente mais democrático que o mundo da arquitetura ao creditar no fim de cada filme cada um dos profissionais envolvidos no processo de construção do filme: ainda que estejam lá em destaque o produtor, diretor e principais atores, também ficam registrados nos créditos finais profissionais de toda ordem: de técnicos de som e assistentes de maquiagem a cinegrafistas, designers e editores.

pela presença de colofões em edifícios

Recentemente a Revista Recorte publicou um pequeno e gracioso manifesto de Gabriel Figueiredo a favor da banalização, difusão e ampliação do uso do colofão — ou “cólofon”, como talvez ele seja mais conhecido — no mundo do design gráfico. Figueiredo sugere que para além dos colofões usualmente encontrados em publicações impressas, seria interessante ampliar seu uso em aplicações digitais como websites, aplicativos, etc

O colofão normalmente encontrado em livros e publicações semelhantes amplia as informações tradicionalmente encontradas em fichas técnicas e em créditos de produção da obra: nele é informada a tipografia utilizada na composição do texto — e, eventualmente, seu autor —, a gráfica onde o livro foi impresso, o tipo de papel utilizado e sua fonte, etc. A quantidade e o caráter da informação aí apresentada, no entanto, são virtualmente ilimitados: pode-se apontar o equipamento utilizado na produção da obra, o software adotado em sua composição, etc.

Exemplo de colofão no livro O design gráfico brasileiro: anos 60, de Chico Homem de Melo, publicado pela editora Cosac e Naify em 2006.
Exemplo de colofão no livro O design gráfico brasileiro: anos 60, de Chico Homem de Melo, publicado pela editora Cosac e Naify em 2006.

A generalização do uso de colofões em outros contextos (mas sobretudo na web) constitui uma forma simpática evitar a cultura da “caixa preta” em torno de trabalhos intelectuais (sejam eles quais forem), já que eles potencialmente explicitam os processos de trabalho e os vários indivíduos e grupos por trás das coisas acabadas. Além disso, ajuda a consolidar uma espécie de rede de colaboração difusa, reminiscente dos primeiros anos da web, quando a opacidade e centralização das redes sociais controladas por algumas poucas empresas ainda não era a regra.

Além disso, fico pensando em como seria interessante a presença de um colofão em edifícios — especialmente aqueles de acesso público. Estariam creditados ali não apenas os arquitetos, engenheiros e incorporadores principais do empreendimento, mas também todos os vários pedreiros, carpinteiros, marceneiros, pintores, eletricistas, encanadores, técnicos, tecnólogos, entre tantos outros profissionais envolvidos na obra. Num universo tão violento e excludente quanto o do canteiro de obras — e o da cultura arquitetônica, de um modo geral —, isso constituiria um mínimo e necessário agradecimento.

Podíamos começar, talvez, pelas obras de arquitetura pública tombadas, sobretudo aquelas de especial protagonismo na construção de nossas narrativas de identidade nacional e de especial inserção no cânone arquitetônico. Isso renderia, inclusive, um bom trabalho de pesquisa: seria muito interessante creditar essas informações em um edifício como o Palácio Capanema, por exemplo, ou as obras localizadas na Praça dos Três Poderes e na Esplanada dos Ministérios.

colofão para esta postagem 🙂

Estas breves palavras foram escritas em um computador Macbook Pro Mid 2014 por meio do navegador Safari. O texto foi produzido em fevereiro de 2022, um período desagradavelmente quente. A hospedagem do texto acontece no serviço wordpress.com e se utiliza, entre outros, do software livre WordPress. O WordPress, assim como muitos outros projetos de software livre, é fruto do trabalho de milhares de colaboradores e trabalhadores de diferentes partes do mundo.

O tema utilizado neste sítio é o “Libre 2”, de autoria da empresa Automattic. O texto está composto em Libre Baskerville, tipografia de código livre baseada no clássico tipo Baskerville — do tipógrafo John Baskerville — desenvolvida pelo type designer Pablo Impallari.

A imagem de capa consta do acervo digital do Wikimedia Commons, tendo sido produzida pelo usuário Donel20 no dia 13 de janeiro de 2021. Trata-se de uma gravação na fachada de um edifício situado à Rua Isabey, n.º 5, em Nancy apresentando, presumivelmente, a autoria do projeto do respectivo imóvel (atribuída a um tal “arquiteto Hornecker”).

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