originalmente postado em http://notasurbanas.blogsome.com/2010/02/22/oscar-niemeyer-e-stanley-kubrick-1977/
“Suas obras são formas nunca vistas, que subitamente se revelam diante de nós como se caídas de um outro espaço. Têm também a marca de nossa época, quando a fantasia humana rompe os limites terrestres para penetrar os espaços estelares”, escreveu o poeta Ferreira Gullar.
Talvez tudo isso explique uma surpreendente carta que recentemente Oscar Niemeyer recebeu. Vinha dos EUA e pedia-lhe o projeto de uma casa. Estava assinada por Stanley Kubrick, o diretor de “2001, uma Odisséia no Espaço”. [grifo meu]
fonte: “Niemeyer, o poeta do concreto armado completa 70 anos“, Revista Veja, 14 de dezembro de 1977.
Não faço ideia de quantas vezes a revista Veja publicou matérias sobre Niemeyer, mas o excerto acima, de uma reportagem de 1977, deve ser um dos mais instigantes entre todas as reportagens da revista já feitas sobre o arquiteto.
Kubrick construiu ao redor de si o mito do cineasta-diretor-produtor perfeccionista. Niemeyer não dá o braço a torcer em suas obras. Se o projeto tivesse realmente ocorrido, seria no mínimo um divertido estudo de caso.
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Manfredo Tafuri, professor de História da Arquitetura da Universidade de Veneza, na Itália, observa, porém: “O prédio da Editora Mondadori em Milão procura provocar impacto no observador. Ao mesmo tempo não se compreende o porque. Isto é: o impacto permanece como um ponto de interrogação, sem estar sustentado pela poética surrealista. Em certo sentido eu considero Niemcyer um tradutor do surrealismo em arquitetura – só que com grande atraso”.
Mas por que a Editora Mondadori escolheu Niemeyer? Responde o professor italiano: “Pela mesma razão que o Partido Comunista Francês pediu a ele para fazer sua sede em Paris. Os trabalhos de Niemeyer são ótimas formas publicitárias”.
Definitivamente eram outros tempos. Por um lado, a matéria de 1977 é mistificadora e contribui na construção do mito do gênio individual. Mas certamente, por outro lado, dá gosto de ver uma revista voltada para o público leigo, sob ditadura militar, consultar um então longínquo e marxista Tafuri na Itália pós-68. Hoje Veja tentaria simplesmente achar um jeito no meio da reportagem de agredir o Lula.
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Aliás: USAI, Paolo. “Kubrick as Architect”, Cinémas, v.9, n.1, pp.117-136.