pausa: frank lloyd wright em sin city

A imagem abaixo faz parte do gibi* A noite da vingança, parte da série Sin City de Frank Miller. O título original é mais esperto (Family Values) que a tradução, conversando mais com a trama desenvolvida nos quadrinhos.

quadrinhos e imaginário arquitetônico

Frank Miller costuma ser apontado como representante de uma espécie de “direita libertária” típica da cultura política estadunidense: defende um estado mínimo que não se intrometa na liberdade e privacidade das pessoas para que vivam da forma como quiserem. Já chegou mesmo a ser chamado de fascista. É também excelente desenhista, sem dúvida.

Wright, ao contrário, baseado em uma espécie de utopia conservadora, defendia uma cultura que chamava “usoniana”. Sua famosa Broadacre City era caracterizada pela reclusão do núcleo familiar em relação aos vizinhos e ao mundo público em geral e pela conquista do território amplo do Novo Mundo baseada no transporte individual (seja pelo automóvel, seja pelo girocóptero…) e em valores próximos do objetivismo randiano (egoísmo, determinação, etc).

Miller associa aquela arquitetura de jeitão wrightiano à máfia local de sua cidade pecaminosa — utiliza todos os clichés possíveis (aliás, é tratando com tais clichés de forma peculiar que ele torna seus gibis deliciosos, apesar de todos os problemas), incluindo nomes italianados e similares.

Não deixa de ser um comentário interessante a respeito do sonho americano, considerando que vem de alguém localizado à direita da tradicional crítica à subúrbia americana: o sonho de um país livre, cujo território seria conquistado com uma atitude ousada de seus indivíduos, é suplantado por uma cidade decadente em que os grandes ícones arquitetônicos (como revela o pastiche wrightiano) são naturalmente ligados à corrupção e ao dinheiro sujo. Justamente por ser um comentário tão simplório se torna relevante, pois vem de alguém que defende cegamente uma visão maniqueísta de mundo em que a América ainda reúne os heróis bonzinhos. Há alguns anos vem trabalhando em uma história em que Batman combate terroristas ligados ao fundamentalismo islâmico (empolga-se tanto com a coisa que chega a dizer que o personagem vai “chutar a bunda” de Al-Qaeda).

Destaca-se também o comentário sobre os tais “valores de família” revelado ao longo da trama do gibi, no qual o autor inverte a noção tradicional de família em um aparente combate à homofobia, mesmo tendo ele sido acusado de homofóbico por seu colega Allan Moore por conta da obra 300. Frank Miller, como qualquer estrela de qualquer nicho de mercado, sabe moldar sua imagem: sabe se pintar de moralista incoerente, elitista libertário, meio conservador meio rebelde.

Mas gosto mesmo é dos desenhos.

*Uso a palavra “gibi” na falta de uma melhor. Detesto a expressão “graphic novel”.

2 comentários em “pausa: frank lloyd wright em sin city”

  1. Eu, sinceramente, não sou fã das histórias que li de Sin City. Elas tem um “Q” poser típico de que tem crise de identidade. Tenho de concordar a respeito dos desenhos, porém.

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