
•••
A estética de tipo “caricatura de pobreza” adotada pela exposição Design da periferia me incomodou, apesar do competente trabalho curatorial e da interessante iniciativa de reunir objetos e artefatos produzidos e consumidos no cotidiano ignorado pelos círculos usuais do design e das artes. A expografia acaba criando um simulacro de pobreza: tudo parece fora de lugar, ao invés de a exposição constituir-se em um conjunto de elementos dotados de força para produzir um efetivo diálogo espacial com a estética produzida dia-a-dia em nossas periferias. O diálogo, aliás, parece mesmo forçado, unilateral.
Impossível não lembrar da forma como Paulo Freire conceitua a invasão cultural: a expografia parece tratar-se mais de um olhar legitimador das elites sobre a produção estética periférica, o que não deixa de ressaltar uma relação hierárquica, ao invés de quebrá-la.
É impressionante como os objetos expostos, em toda a sua força de criação popular cotidiana (auxiliados, claro, pela curadoria cuidadosa), conseguem ser muito mais expressivos do que a cenografia criada ao redor deles.
Toda invasão sugere, obviamente, um sujeito que invade. Seu espaço histórico-cultural, que lhe dá sua visão de mundo, é o espaço de onde ele parte para penetrar outro espaço histórico-cultural, superpondo aos indivíduos deste seu sistema de valores. O invasor reduz os homens do espaço invadido a meros objetos de sua ação.
[…]
O primeiro atua, os segundos têm a ilusão de que atuam na atuação do primeiro; este diz a palavra; os segundos, proibidos de dizer a sua, escutam apalavra do primeiro. O invasor pensa, na melhor das hipóteses, sobre os segundos, jamais com eles; estes são ―pensados‖ por aqueles. O invasor prescreve; os invadidos são pacientes da prescrição.FREIRE, Paulo. Extensão ou comunicação. Rio de Janeiro: Paz e Terra (2002), p. 42.