Na conclusão do artigo introdutório ao livro Reconstructing Architecture — citado na postagem “Anos 90, pós-modernidade, arquitetura” — os autores Lian Hurst Mann e Thoman Dutton identificam quatro grandes categorias de ações de “recuo” ou de “escape” ao capital tomadas por arquitetos e pesquisadores no período abordado por eles (que vai dos anos 70 aos 90, lembrando que trata-se de um texto dos anos 90 com algumas características já datadas): “recuo à tradição”; “recuo como estratégia de negação”; “recuo à crítica”; “recuo a processos socialmente responsáveis”.
O primeiro recuo diz respeito a propostas de arquitetos pós-modernos como Leon Krier, que buscaram em elementos das cidades tradicionais e em um desenho historicizante possibilidades de enfrentamento do que consideravam nocivo no funcionalismo capitalista. Os autores apresentam como equivocada tal abordagem na medida em que tais arquitetos tratariam a arquitetura como uma forma repleta de significados acabados e não como uma forma que dialoga com processos de transformação social.
O segundo tópico (“estratégia de negação”) parece se referir a arquitetos mais ou menos identificados com o que se convencionou chamar de desconstrução (apesar da imprecisão do termo, como demonstra a bagunça conceitual presente no respectivo artigo da Wikipédia). Os autores reconhecem a validade de determinados comentários críticos presentes neste tipo de produção mas criticam o anacronismo da posição supostamente de vanguarda evocada pelos arquitetos associados à corrente e por ignorarem (na maior parte das vezes deliberadamente) a relação estrutural da arquitetura com o desenvolvimento do capitalismo (propriedade da terra, etc).
Se nos comentários à “estratégia de negação” a crítica se dirige a Peter Einsenman e similares, no tópico “recuo à crítica”, aquela parece direcionada a Tafuri e seguidores. O argumento é fraco, mas faz sentido: apesar da validade do trabalho intelectual de desmascarar os mitos presentes nas histórias oficias da arquitetura, a aparente recusa à ação ante à constatação do caráter ideológico da arquitetura por parte daqueles que tomariam tal recuo revelaria de fato uma omissão, pois colaboraria à manutenção do estado de coisas estabelecido. Além disso:
[…] Disallowing any vision of the future, slandering hope as a humanist lie, and seeing no possibility of struggle within the structures for knowledge of the field of architecture, this acceptance of life-lived-within-the-critique must realize the inevitability of its own socially constructive practice: only the critic is allowed to create, and then there is closure. […] Rejecting the pursuit of radical, oppositional, or anticipatory practices not only leaves critics in charge of architecture’s future but also leaves social movements completely disarmed in the continual cultural-political struggle within the contradictions of capitalism.
[p. 17]
Talvez seja o caso de voltar a esta discussão mais tarde. Por ora, chama mais a atenção o exposto no tópico seguinte.
recuo a processos “socialmente responsáveis”
O quarto recuo identificado pelos autores diz respeito a arquitetos e grupos que procuraram se associar a processos “socialmente responsáveis” de produção de projetos, sejam eles apenas participativos (levando apenas em conta as necessidades dos usuários) ou efetivamente ligados a movimentos políticos ou sociais.
Os autores comentam um seminário realizado no Instituto Pratt em março de 1993 a respeito do tema, cujo mote era a pergunta “O que é projeto socialmente responsável?”. No texto produzido por Stephan Mark Klein para o catálogo da exposição, eles destacam o seguinte:
Most often [architecture] is the product of the dominant culture and, as such, assists that culture in maintaining its hegemony. Designers, architects and planners often reinforce the existing order by shaping spaces and objects that support its interests of money and power and by creating its symbols. In this system style changes assume great importance. […] many of the projects in the exhibition [sobre projetos “socialmente responsáveis” citada acima] do not look out of the ordinary. Aesthetic issues, such as the role of aesthetics in reproducing the dominant order of multicultural alternatives to the dominant Eurocentric styles are for the most part absent … The salient stylistic characteristic of these projects is their lack of style.”
[Klein citado por Mann e Dutton, p. 18]
Os autores, então, argumentam que costuma haver um equívoco fundamental em projetos ditos “socialmente responsáveis” (ainda me incomoda esta expressão…): tais projetos mascarariam o resultado estético supostamente ruim no produto arquitetônico dos processos participativos pois seu foco estaria nas possibilidades de transformação dos indivíduos inerentes aos processos, não aos produtos. Citam o texto de Richard Hatch (The Scope of Social Architecture) como exemplo. Apesar da validade da afirmação enquanto contribuição a um debate, me pareceu igualmente equivocada a forma como ela foi construída pelos dois autores. Segundo eles:
Aesthetics is relegated to inconsequential status, largely unimportant, rejected as if it is rejectable. Herein lies the contradiction with the advocates for social responsibility: they grant the political power of aesthetics to secure hegemony, but they do not take responsibility for their own aesthetic production. They understand how aesthetics can be used by formalists in alliance with the dominant interests to reproduce the status quo, but they retreat from the potential of aesthetics as an apparatus of power to promote oppositional cultural production.
DUTTON, Thomas; MANN, Lian. “Modernism, Post-Modernism and Architecture’s Social Project” in Reconstructing Architecture. Minneapolis: University of Minnesota Press, 1996, pp. 1–26
Incomoda a análise da arquitetura partindo do pressuposto de que ela pode ser dividida em instâncias aparentemente independentes: uma “social” e uma “estética”. Trata-se de uma leitura que insiste em tratar da obra de arte a partir da dicotomia forma-função (algo que é recorrente nos demais artigos do livro, como aquele citado na postagem anterior sobre William Morris). É justamente por meio do trabalho estético que o conjunto de atores envolvidos em um determinado processo de produção arquitetônica coletiva poderia potencializar novos processos de transformação social, pois, lembrando Morris — como citado por Ferro — “A arte é a expressão da alegria do homem no trabalho.”
Olá!
Passando para dar um oi!
Tem sido difícil para para ler tanta coisa!
Você produz bastante… honoris causa para você!!!
Abraços.
CurtirCurtir
haha! obrigado!
CurtirCurtir