Arquiteto

prof. pardal e tio patinhas: o designer e a reprodução

Arquiteto, Matrix, 2003

O fragmento abaixo foi extraído de um clássico e delicioso texto de José de Souza Martins.

[…] Prof. Pardal, inventor desastrado, desespera-se na tentativa de solucionar com a sua inteligência, as suas pesquisas e a sua incansável dedicação à invenção e à descoberta os grandes e pequenos problemas de Patópolis. Seu desligamento do mundo é proverbial nos quadrinhos, em que o cientista é frequentemente apresentado como louco, ingênuo, alienado, sonhador, perigoso enfim. Por isso, Pardal não pode ter no universo de Patinhas senão a tolerância que piedosamente a nossa hipocrisia burguesa dedica aos alienados mentais. Ele se preocupa com pequenas coisas (e nisso é quase infantil), como a invenção de um pula-pula que facilite o transporte das pessoas, ou de um combustível que torne mais rápido, os meios de transporte, ou de uma banheira voadora. Vive, enfim, na esperança de resolver aflitivos problemas do dia-a-dia dos patopolitanos ou na esperança de antecipar e solucionar os problemas que os patopolitanos provavelmente enfrentarão no futuro. Só que Pardal esquece frequentemente de uma coisa muito importante no universo de Patinhas: é que aí não há lugar para a primazia da utilidade dos objetos.
Cada objeto tem que ser, antes de mais nada, uma mercadoria. Por isso, as loucuras de Pardal só desaparecem quando são absorvidas pelo delírio acumulativista de Patinhas. Quando este faz uma encomenda ou solicita uma invenção que resolva um problema crucial para o capital, como uma defesa contra os Metralha ou um equipamento que o torne mais rico. O cientista só deixa de ser doido quando trabalha para o capital, quando perde de vista a perspectiva tola e infantil da condição humana dos patos para atender a demanda da reprodução do dinheiro pelo dinheiro. Aí ele se torna racional, porque a racionalidade é a dos objetos e a do enriquecimento que propiciam quando são comprados e vendidos.

[…]

De fato, o universo de Patinhas é educativo se tomamos a educação como veículo impositivo de valores. Diante dele as crianças e os adultos podem descobrir como são estúpidos, como são ridículos e alienados quando toleram que na sua personalidade se manifestem grotescos traços humanos. Patinhas constitui um chamado à razão: a razão que faz com que as coisas se relacionem umas com as outras como se fossem dotadas de condição humana e que faz com que as relações entre os homens pareçam relações entre coisas, conforme já observou um sábio alemão.

MARTINS, José de Souza. “Tio Patinhas no centro do universo” in O modo capitalista de pensar. São Paulo: Hucitec, 1982, pp. 3–18

Poderíamos tranquilamente trocar as palavras “cientista” e “inventor” que aparecem ao longo do excerto por “arquiteto” ou “designer”: o sentido não só se mantém como se amplia…

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