Por mais rasas que tenham sido as discussões envolvendo o atual pleito municipal durante o primeiro turno, é fundamental evitar o recrudescimento tucano na cidade de São Paulo: em uma cidade imobilizada, segregada e mesquinha, o fortalecimento dos setores conservadores tende apenas a promover piora violenta da qualidade de vida, sobretudo das populações mais pobres.
São muitos, na verdade, os motivos para não votar em José Serra. Enumero a seguir, no entanto, alguns que particularmente me preocupam. Não votei no PT no primeiro turno, mas até o dia 28 de outubro sou petista convicto pelos motivos expostos abaixo.
PORQUE NÃO VOTAR EM JOSÉ SERRA
1. Incentivo à gentrificação e higienismo social
Uma das primeiras medidas de José Serra, após assumir a prefeitura de São Paulo em 2005, foi a interrupção dos principais projetos-piloto de incentivo à produção de habitação social em áreas centrais. Somam-se a isto iniciativas de promoção de gentrificação no centro: não houve qualquer tentativa, por parte da prefeitura, de utilizar-se dos instrumentos legais previstos no Plano Diretor (como as ZEIS, o IPTU progressivo, o direito de preempção, entre outros) a fim de frear o intenso aumento do preço da terra e dos domicílios na área central, ao mesmo tempo em que edifícios como o Mercúrio (vizinho ao São Vito e repleto de vida) foram demolidos e milhares de pessoas foram impedidas de viver próximo de infraestrutura e equipamentos.
O Plano Diretor foi completamente ignorado pela gestão Serra/Kassab. Nas tentativas de revisá-lo em 2007 e 2009, interrompidas por decisão judicial, a prefeitura tentou retirar dele as poucas garantias sociais que nele havia.
O problema da população em situação de rua foi tratado como caso de polícia, como revelam as denúncias reunidas no Dossiê do Fórum Centro Vivo, envolvendo até mesmo expulsão das pessoas por meio de artifícios como jatos de água fria. Os programas de atendimento social tem sido sucateados a cada ano. Andrea Matarazzo, representante dos setores mais ricos e guru da atual política higienista em relação ao centro da cidade, acabou de ser eleito vereador: mais um motivo para evitar o retorno do PSDB ao poder. Matarazzo, aliás, enquanto ocupou o cargo de Secretário da Cultura do Estado, foi responsável por obras desastrosas e de obscura situação orçamentária.
A gestão Serra/Kassab poderia ainda justificar a interrupção da produção de habitação em áreas centrais e pericentrais devido à uma política mais coerente nas periferias. Como se verá abaixo, isto não ocorre.
2. Política habitacional: remoções, periferização, truculência
A política habitacional da atual gestão Serra-Kassab tem gerado, sem dúvidas, interessantes projetos pontuais de habitação, alguns deles até mesmo premiados. Esta suposta qualidade arquitetônica (que também deveria ser melhor discutida em outro momento), no entanto, mascara um perverso processo de exclusão do direito à cidade a uma enorme massa populacional, segundo dados levantados por pesquisadores da FAUUSP.
Além disso, o Conselho Municipal de Habitação está paralisado por decisão judicial, visto que seu processo eleitoral não foi dotado de transparência e espírito republicano: não parece haver, contudo, qualquer interesse da gestão Serra/Kassab em reativá-lo e garantir a participação cidadã na formulação de políticas públicas, mantendo a truculência e autoritarismo que a tem caracterizado. O Ministério Público chegou até mesmo a ameaçar de processo o Secretário de Habitação de Kassab, Ricardo Pereira Leite.
Para completar, a enorme quantidade de incêndios em favelas, além de preocupante, levanta dúvidas a respeito da possível origem criminal de tais acidentes, visto que tais comunidades têm se cruzado com os interesses imobiliários que financiaram a candidatura Kassab em 2008.
3. Nova Luz
LUZ from Left Hand Rotation on Vimeo.
Desde 2005 a gestão Serra-Kassab tem procurado expulsar a população moradora da região da Luz em nome de uma patética e irreal “revitalização” do lugar. Mesmo deixando de lado o aspecto inerentemente ideológico da expressão (como se sabe, não faz sentido “revitalizar” um local onde já existe vida), o projeto se revela incompetente e ineficaz. Após tantos anos, o máximo que a prefeitura fez foi demolir algumas quadras inteiras, contribuindo à destruição do patrimônio banal urbano.

Articulado a isto encontra-se o desastre da “nova Cracolândia”. A instrumentalização do discurso anti-drogas, por parte da prefeitura, também foi perverso e desastroso: a população usuária de drogas que se concentrava no local espalhou-se pelo Centro. Um sensível problema de saúde pública foi militarizado e tratado com a sutileza dos porretes policiais. A gestão Serra/Kassab foi responsável por demolir um dinâmico espaço de comércio popular a fim de construir um inútil e caro equipamento cultural cuja população destinatária será composta apenas pelas elites, de modo ainda mais violento e apartado que a Estação Júlio Prestes. Foram contratados arquitetos estrangeiros pelo governo do Estado (e sabe-se lá quanto eles receberam de honorários) a fim de que se produzisse e fizesse circular uma imagem espetacular cuja construção talvez sequer seja realmente necessária. De fato, a única função da contratação foi fazer com que a imagem circulasse pelo mundo, sem qualquer compromisso com a realidade do lugar. O efeito causado pelo espetáculo, no entanto, foi suficiente para que uma quadra inteira fosse demolida, para que forças policiais fossem mobilizadas e para que a população do local fosse expulsa.
Finalmente, como se vê no vídeo abaixo, o Conselho Gestor da Nova Luz foi atropelado pela arrogância da prefeitura: mesmo sem o apoio da população local, foi aprovado um Plano Urbanístico que interessa apenas ao setor imobiliário. Tanto os lojistas da Santa Ifigênia quanto os moradores do local posicionaram-se contra o plano mas os representantes da prefeitura manobraram o Conselho para conseguir legitimá-lo.
4. Cidade parada
Ao conjugar falta de incentivo à produção de habitação popular em áreas centrais, incentivo à periferização e redução dos investimentos em infraestrutura (como o desprezo pela ampliação dos sistemas de corredores de ônibus, por piores que eles sejam), chegamos a uma cidade que simplesmente não consegue se mover.
José Serra insiste em apoiar medidas inúteis, como a construção do patético sistema de VLT proposto pela prefeitura e governo do Estado: trata-se de um modal adequado a demandas de média capacidade a ser implantado em locais com demanda de alta capacidade. Além disso, Serra ridiculariza a proposta de tarifa mensal do adversário (trivial em qualquer grande metrópole e cuja implantação em São Paulo já deveria ter ocorrido há tempos).
5. Cultura do espetáculo
A política cultural da gestão Serra-Kassab limitou-se a promover um único grande evento cultural ao longo de todo o ano (a Virada Cultural), mobilizando enormemente o orçamento, em nome da cultura do espetáculo. As manifestações culturais presentes nas periferias são em grande medida ignoradas, ao passo que o privilégio dado à cultura erudita pela prefeitura segue como parâmetro principal. Em uma cidade que já contou com Marilena Chauí como Secretária da Cultura, vive-se hoje uma mediocridade generalizada, uma submissão à cultura do mercado e a sua lógica massificadora.
A Virada Cultural, porém, revelou-se um bom negócio à prefeitura, como revelam recentes denúncias de corrupção associadas à sua organização.
6. Arrogância e truculência contra professores
José Serra é reconhecidamente arrogante ao tratar do ensino público, não raro jogando toda a culpa pela mediocridade do atual sistema nos professores — as maiores vítimas, de fato, da atual política, visto que ainda recebem péssimos salários e permanecem submetidos a jornadas estressantes. Além de menosprezá-los, ignora completamente quaisquer reivindicações, tratando-as com a violência policial que lhe é peculiar.
Serra já chegou mesmo a atribuir a baixa qualidade do ensino aos estudantes oriundos de outras regiões do país, explicitando xenofobia e preconceito.
7. Gilberto Kassab
Quanto a este sétimo motivo, que reúne casos que vão do episódio “vagabundo” ao escândalo Aref: sem comentários.
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José Serra caloteiro
Além de tudo o que foi acima exposto, há um motivo adicional para que arquitetos e urbanistas não votem em Serra. Ele é caloteiro:
[…] A resposta do prefeito [José Serra], segundo o arquiteto, foi a de que o projeto não seria pago porque se trataria de uma obra eleitoreira da antiga gestão. Serra ainda teria sugerido que entrassem na justiça contra a prefeitura.
A passagem acima, originalmente publicada na edição 144 da Revista AU, se refere ao escandaloso caso da interrupção do projeto do Bairro Novo, fruto de concurso público de ideias realizado em 2004 e ganho pela equipe do falecido arquiteto Euclides de Oliveira. Em reunião com a cúpula da administração tucana em São Paulo, Oliveira alegara que um alto burocrata teria lhe dito que “uma família normal não moraria no mesmo bairro de sua empregada doméstica”, como o projeto previa. Este é o tipo de preconceito que gravita ao redor das gestões tucanas que precisamos evitar.
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Por tudo isto, em 28 de outubro eu voto em Fernando Haddad para Prefeito da cidade de São Paulo.