aeroportos

Todo mundo odeia aeroportos.

Talvez com exceção de turistas de primeira viagem ou das famílias usualmente deslumbradas com duty free shops ou com as expectativas pelas próximas férias, é raro encontrar alguém que não deteste a experiência de ter de viajar passando obrigatoriamente por esses lugares. Não por acaso, todos que já puderam viajar em boas redes de transporte ferroviário fatalmente concordarão que o melhor meio de transporte seja o trem.

Aeroportos são cansativos (“Esteja no aeroporto pelo menos duas horas antes da decolagem”), burocráticos (“Por favor, retire os cintos, sapatos, brincos e toda a sua alma antes de passar pelo raio-x”) e absurdamente caros (“Promoção: dois pães de queijo por apenas 20 reais”).

Além disso, já é fartamente difundida a velha crítica aos aeroportos como os não lugares quintessenciais: são espaços desterritorializados, não-identitários, indiferenciados e sempre deslocados do tempo do cotidiano. São iguais em qualquer lugar do mundo, sempre um tanto quanto frios, solitários e distantes.

Contudo, confesso que gosto justamente desses espaços indiferenciados, vazios e aparentemente sem função que não a de conectar uns aos outros tão comuns em aeroportos. Talvez por viajar muito pouco (frequento aeroportos talvez não mais do que duas ou três vezes por ano), talvez por ter feito muitas viagens noturnas que nos fazem experimentar áreas de desembarque nas primeiras horas da manhã, ainda vazias e frias, há algo de estranhamente agradável nesses longos corredores desérticos, solitários e impessoais.

não lugares

Aeroportos provavelmente foram o principal estímulo a que, no início dos anos 1990, Marc Augé tenha escrito seu clássico Não lugares: introdução a uma antropologia da supermodernidade. O autor inclusive inicia o texto com a descrição de uma viagem de um sujeito de sua casa, no subúrbio de Paris, até o aeroporto: tendo seu corpo transitado por automóvel, estacionamento, aeroporto e, enfim, avião, descreve-se um dia inteiro da vida de alguém que deslocou-se apenas por “não lugares” — situação aparentemente cada vez mais comum em países centrais e que, portanto (e para além de qualquer julgamento moral sobre tal condição) justificava alguma reflexão sobre como observar e descrever tal experiência de vida. Mais do que lamentar a multiplicação de não lugares, trata-se de olhar para eles inclusive como um eventual lugar antropológico que por definição eles não são (visto que não relacionais, identitários ou históricos), em busca de uma antropologia do próximo.

A curiosa e estranhamente agradável sensação que descrevi acima, encontrada naqueles espaços indiferenciados, solitários e em tudo o mais repugnantes, parece especialmente descrita nessa passagem do livro:

(…) o espaço do não lugar liberta de suas determinações habituais quem nele penetra. Ele não é mais do que aquilo que faz ou vive como passageiro, cliente, chofer. Talvez ele ainda esteja cheio das preocupações da véspera, já preocupado com o dia seguinte, mas seu ambiente do momento o afasta provisoriamente disso. Objeto de uma suave possessão, à qual se abandona com mais ou menos talento ou convicção, como qualquer possuído, saboreia por um tempo as alegrias passivas da desidentificação e o prazer mais ativo da interpretação do papel.

AUGÉ, Marc. Não lugares: introdução a uma antropologia da supermodernidade. Campinas: Papirus, 2012 [1992], p. 94–95.


Imagens: CC-By-SA (flickr.com/gaf)

Um comentário em “aeroportos”

  1. Eu detesto aeroportos. O de POA é essencialmente pequeno, o que ajuda a não ser tão traumático passar por ele. Contudo, recentemente eu voltei de viagem e tive que passar por Guarulhos. A minha experiência com esse aeroporto sempre foi terrível – desde a sacanagem de colocar os passageiros de alguns voos num ônibus pra embarcar no meio da pista até a desorganização de mudar o portão de embarque do meu voo 1h antes de embarcar – mas esse ano coisa tomou uma proporção absurda onde, por conta de um tempestade em SP, eu fiquei 5h excruciantes sentado no chão esperando o meu voo (não tinha mais lugar pra sentar).

    Aeroportos, pra mim, concorrem com delegacias como os piores locais para se estar.

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