home e koyaanisqatsi

originalmente publicado em http://notasurbanas.blogsome.com/2009/06/15/home-e-koyaanisqatsi/

No último fim-de-semana toda a internet comentou a respeito do filme Home, produzido pelo fotógrafo francês Yann Arthus-Bertrand (sítio oficial no youtube: http://www.youtube.com/homeproject). Mais que uma tentativa de alerta a respeito de mudanças climáticas globais, o filme evidentemente é uma peça de propaganda dos grandes grupos empresariais internacionais que o financiaram. O filme está hospedado oficialmente no Youtube, mas não há possibilidade de incorporá-lo: apesar da deliberada intenção do autor de torná-lo um filme “aberto”, não se cogitou utilizar uma licença livre (como a Creative Commons).

Ora: os mesmos grupos que são protagonistas no conjunto de agentes responsáveis pela exploração intensa de recursos naturais produzem, neste momento, um documentário que tenta alertar o mundo de que ele possui apenas 10 anos para reverter o ataque humano àqueles finitos recursos. Curiosamente, empresas como Gucci, Fnac, Puma, Yves Saint Laurent, entre outras, estão entre as principais patrocinadoras do filme. Justamente as principais marcas presentes na atual sociedade do consumo – justamente aquelas carnalmente ligadas a uma cultura de consumo irresponsável, violentamente demandante de recursos e de processos industriais – são as patrocinadoras deste documentário didaticamente narrado pela voz angelical e professoral da celebridade estadunidense Glenn Close.

Trata-se quase de um filme ingênuo. Só não é ingênuo considerando-se sua relação com o mesmo capital que produziu a atual crise de recursos naturais. No entanto, parta-se para uma análise do filme em si: assiste-se a uma sucessão – excessivamente linear – de imagens deliberadamente arranjadas com o fim de sugerir em primeiro lugar uma ligação entre a agropecuária contemporânea com o desastre ambiental e com a sociedade do petróleo (tal relação está correta, mas é curioso como pulam-se 200 anos de Revolução Industrial e como ignoram-se as alternativas de agricultura… mas esta discussão não cabe agora). A voz amaciante de Glenn Close é usada sobre belas imagens de paisagens naturais e modificadas pelo homem. No entanto, por mais impactantes que sejam as imagens, a música parece artificial, desarticulada, a narração parece intrusiva. Esteticamente, parece que há elementos que não conversam. Melhor dizendo: parece que os diferentes elementos do filme são forçosamente colocados uns junto aos outro.

A sensação de “já vi esse filme antes” tem motivo. O filme parece, de fato, uma cópia piorada e deturpada dos filmes da trilogia Qatsi, de Godfrey Reggio, especialmente o primeiro, Koyaanisqatsi. Tudo o que há de ingênuo ou forçoso em Home parece ter sido enfrentado de forma mais aprofundada em Koyaanisqatsi. Com uma ressalva: Koyaanisqatsi é de 1982. Home chegou piorado com um atraso de 17 anos. Na trilogia Qatsi não há voz: não se procura elaborar uma forçosa e intrusiva tradução “didática” da intensa relação entre imagem e música que os filme sugerem. A relação entre os filmes já foi notada, aliás.

Imagem e som apenas, sem mistificação.

Koyaanisqatsi é em tudo melhor que Home, mesmo quando não cabem comparações. Mesmo que fruto do mundinho Hollywood (visto ter sido produzido por Francis Ford Coppolla), Koyaanisqatsi é mais sincero, mais autêntico – ainda mais quando se explicita como ilusão cinematográfica.

O pior, porém, é o que segue: o lançamento global de Home foi tratado como um grande evento de mídia. No mesmo dia, foi publicado no Youtube, lançado em milhares de salas de cinema, em DVD e em Blu-ray. Para um filme que tenta, pelo menos a priori, alertar a respeito das mudanças climáticas, não parece fazer a sua parte, visto que ele estimula justamente o consumo.

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