
1. Nas sociedades onde reinam as modernas condições de produção, a vida aparece como uma imensa acumulação de espetáculos. Tudo que era antes diretamente vivido reduziu-se a representação.
[…]
4. O espetáculo não é uma coleção de imagens; ele é uma relação social entre pessoas mediada por imagens.
34. O espetáculo é capital acumulado a tal ponto que se transforma em imagens.
Seguem algumas passagens interessantes publicadas por Guy Debord em 1967 n’A sociedade do espetáculo. São traduções livres desta edição em inglês.
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Sobre Steve Jobs e a cultura evangelizadora da Apple:
67. A satisfação que não surge mais do uso das mercadorias produzidas em abundância é agora buscada através reconhecimento de seu valor como mercadorias. Consumidores são dotados de fervor religioso pela liberdade soberana das mercadorias cujo uso tornou-se um fim em si mesmo. Ondas de entusiasmo por produtos particulares são propagados por todos os meios de comunicação. […] A proliferação de aparelhos de moda passageira reflete o fato de que os meios de comunicação de massas passam a ser cada vez mais absurdos; o próprio absurdo transforma-se em mercadoria. […] Pessoas reificadas orgulhosamente demonstram as provas de sua intimidade com a mercadoria. Como o antigo fetichismo religioso, dotado de suas curas milagrosas e êxtases arrebatadores, o fetichismo da mercadoria gera seus próprios momentos de exaltação fervente. Tudo isto é útil apenas para um único propósito: produzir a habitual submissão.
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Sobre o Facebook:
28. O sistema econômico reinante constitui-se em um círculo vicioso de isolamento. Não só suas tecnologias são baseadas no isolamento como elas também contribuem para tal isolamento. Dos automóveis à televisão, os bens que o sistema espetacular escolhe para produzir são também suas armas para continuamente reiterar a condição que engendra “multidões solitárias.” Por meio de uma crescente concretude, o espetáculo recria seus próprios pressupostos.
[…]
72. A unidade irreal proclamada pelo espetáculo mascara a divisão de classes implícita na real unidade do modo de produção capitalista. O que obriga os produtores a participar na construção do mundo também é aquilo que os exclui dele. O que coloca as pessoas em contato umas com as outras por liberá-las de suas limitações locais e nacionais também é aquilo que as mantém apartadas. O que requer cada vez maior racionalidade é também o que nutre a irracionalidade da exploração e da repressão hierárquicas. O que produz o poder abstrato da sociedade também produz sua concreta falta de liberdade.
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Sobre os arquitetos do star system:
60. Estrelas — representações espetaculares de seres humanos vivos — projetam esta banalidade em imagens de papéis permitidos. Como especialistas da vida aparente, estrelas servem como objetos superficiais com as quais as pessoas podem se identificar a fim de compensar as fragmentadas especializações produtivas que elas de fato vivem. A função destas celebridades é de representar variados estilos de vida ou perspectivas sociopolíticas de um modo completo, totalmente livre. Elas personificam os resultados inacessíveis do trabalho social pela dramatização dos subprodutos daquele mesmo trabalho que são magicamente projetados acima dele como seus objetivos máximos: poder e ociosidade — elementos de tomada de decisão e consumo que encontram-se no início e no fim de um processo que nunca é questionado. […] Mas as atividades destas estrelas não são realmente livres e elas não oferecem quaisquer escolhas reais.
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Sobre o infoproletariado:
42. O espetáculo é o estágio no qual a mercadoria triunfou em colonizar totalmente a vida social. Mercadorificação é não apenas visível como conseguimos ver mais nada: o mundo que vemos é aquele da mercadoria. A produção econômica moderna amplia sua ditadura tanto extensa quanto intensamente. Nas regiões menos industrializadas, seu reinado já se manifesta pela presença de algumas mercadorias estelares e pela dominação imperialista imposta pelas regiões mais industrializadas. Nestas, o espaço social é coberto com cada vez mais novas camadas de mercadorias. Com a “segunda Revolução Industrial”, o consumo alienado tornou-se tarefa para as massas tanto quanto a produção alienada. A totalidade do trabalho social vendido tornou-se a mercadoria total cuja circulação constante deve ser mantida a qualquer custo. A fim de que isto se consiga, esta mercadoria total deve retornar em forma fragmentada a indivíduos fragmentados que são completamente apartados da operação total das forças produtivas. Neste sentido a ciência especializada da dominação é partida em mais especialidades como a sociologia, a psicologia aplicada, a cibernética, a semiologia, as quais supervisionam a auto-regulação de cada fase do processo.
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45. A automação, setor ao mesmo tempo o mais avançado da indústria moderna e epítome de sua prática, obriga o sistema de mercadorias a resolver a seguinte contradição: os desenvolvimentos tecnológicos que objetivamente tendem a eliminar o trabalho precisam ao mesmo tempo preservá-lo como mercadoria, pois o trabalho é o único criador de mercadorias. A única forma de prevenir a automação (ou qualquer outro método menos extremo de aumentar a produtividade do trabalho) de reduzir o tempo total de trabalho socialmente necessário é criando novos empregos. Com este fim, o exército de reserva dos desempregados é alistado no setor terciário ou de “serviços”, reforçando as tropas responsáveis por distribuir e glorificar as últimas mercadorias; com isto se está suprindo uma necessidade real no sentido em que aquelas campanhas crescentemente extensivas são necessárias para convencer as pessoas a comprar cada vez menos necessárias mercadorias.
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Imagem: The-Lord-Proprius; One Nation Under CCTV; devianART; CC-By-NC